A biodiversidade é surreal

Para a leitura deste artigo, seria interessante o leitor ter visitado um artigo anterior, intitulado “A maldição das tabelas”.

De qualquer forma, faço uma recapitulação para alguns pontos que considero essenciais para os argumentos deste artigo. São eles:

  • Bancos de dados são representações (modelos) do mundo real;
  • Bancos de dados são limitados pelas suas abordagens tecnológicas de organização lógica dos dados;
  • Optar por uma ou outra “tecnologia” é abdicar de formas de representar o mundo real mais {precisas, adequadas, eficientes, lógicas, etc.}

Por conta disto, a abordagem da “persistência poliglota” começou a ganhar terreno, lá nos idos de 2011, impulsionada também por uma nova arquitetura de desenvolvimento de sistemas, baseada em microsserviços, suportados por serviços “REST”. Um grande avanço, adotado inclusive por sistemas de biodiversidade, como o {Atlas of Living Australia, Living Atlases}, utilizado pelo Sistema de Informações sobre a Biodiversidade Brasileira – SiBBr.

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A planta e a espécie

Este conceito de “espécie”, consolidado pelo sistema de classificação e pela nomenclatura binomial de Lineu, foi gravado em mim a “ferro e fogo” desde a época da graduação em biologia. Quando entrei para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1983, este conceito se ampliou, quando fui levado a estudar a família Chrysobalanaceae, guiado pelas mãos do meu orientador, e hoje amigo, Dr. Haroldo de Lima. Assim, acreditem em mim, sei abstrair o conceito de “espécie”.

No final dos anos 80, ganhei meu primeiro computador – um TK-85 – e fui levado a fazer um curso de modelagem de dados, já em 1991, onde aprendi a abstrair e “modelar entidades”. “Modelar entidades” acaba também fazendo parte da gente que pensa bancos de dados e sistemas de informação e acabamos enxergando as coisas de forma diferente. Nestes pensamentos, recentemente, um modelo lógico se apoderou da minha mente, e gostaria de compartilhá-lo com vocês.

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Negligenciando a preservação do conhecimento tradicional

Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”. Declaro aqui de público que fui negligente com a preservação do conhecimento tradicional. Explico.

Como toda a família, a minha tem tradições culinárias que sempre nos uniu em nossas memórias, afetivas e gustativas. Geralmente em ocasiões festivas, como aniversários e natal, em torno da mesa, aquele prato esperado ansiosamente era a representação daquele momento em família. Um dos pratos tradicionais da nossa família era feito pelo meu pai: a ambrosia. Vou usar o exemplo da ambrosia feita pelo meu pai para exemplificar alguns aspectos da preservação do conhecimento tradicional em bancos de dados.

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Vamos escrever um paper!

Certa vez resolvi convidar alguns amigos pesquisadores para um bate-papo na minha casa. Ainda era começo de noite e o papo estava animado, quando começamos a sentir um cheiro de algo queimando na cozinha. Quando chegamos na cozinha para averiguar o que estava acontecendo, percebemos que um pequeno incêndio havia iniciado na bancada dos eletrodomésticos!

Enquanto minha cabeça estava processando toda aquela informação, na fração de segundo que se segue, entre a constatação do fato e a percepção da necessidade de uma ação, um dos amigos brada em alto e bom-tom: – VAMOS ESCREVER UM PAPER!

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Preservação do Conhecimento Tradicional Sobre o Uso das Plantas – pensando “fora da caixinha”

Fonte: https://naturaljustice.org/publication/the-abs-picture-box/2_traditional-knowledge-a3/

Há algum tempo tive a oportunidade – e o privilégio – de me envolver com {iniciativas, alunos, pesquisadores, conjuntos de dados} relacionados com o que é chamado de “conhecimento tradicional no uso das plantas”. Seja para confecção de artefatos, seja para o uso medicinal, tenho aprendido bastante com a Dra. Viviane Kruel, e suas alunas Nicky van Luijk, Luisa Ridolph Tostes Braga e Camila Nascimento Dantas. Uma experiência realmente enriquecedora e fascinante adentrar para um domínio tão complexo e desafiador, do ponto de vista da arquitetura de dados. Desta experiência, algumas percepções já se consolidaram, e outras, sob a forma de ideias, andam me assombrando nas noites frias de outono.

Antes de ir direto ao ponto, no aspecto de organização dos dados, preciso dizer que a ideia é polêmica (uma forma elegante de dizer que é “maluca”), e que arrisco perder os pouquíssimos amigos taxonomistas que tenho. Aliás, se você é taxonomista e tem um coração fraco, sugiro que pare de ler agora e volte para a Rodriguésia. Para quem continua por aqui, apertem seus cintos de segurança e vamos em frente!

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Anatomia de uma ocorrência

Era dois de março de 2004 e o verão estava chegando ao fim. A expedição ao Parque Estadual do Desengano, no Rio de Janeiro, formada por oito pesquisadores, avistou um afloramento rochoso à direita da estrada que leva a entrada do Parque Estadual do Desengano à Morumbeca. Resolveram parar. A Dra. Rafaela Forzza percebeu uma população de indivíduos da família Bromeliaceae – família botânica de seu interesse – e resolveu coletar dez exemplares para estudos posteriores na instituição, sob o número 2843, em sua caderneta de coleta. Ela anota a localização, tirada do equipamento de GPS: 21º 52.54′ S e 41º 56.36’W; e anota a altitude oferecida também pelo GPS: 683 m.s.m.

Como de costume, a descrição do material também é anotada em sua caderneta de campo:

Erva 3m alt., folhas verde-claras com bainha castanha, escapo rosado, brácteas do escapo rosadas na base, verdes no ápice, primarias rosa, raque verde clara, bráctea floral e sépalas amarelas, pétals alvas passando a amarelas, androceu e gineceu alvos, aroma adocicado, suave, 9 ex (exemplares).
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“Por mares nunca dantes navegados…”

Ando sumido. Fato. Porém, por uma “boa causa”, que gostaria de compartilhar com vocês.

Desde meu artigo sobre “a maldição das tabelas“, onde compartilhei minha iniciação com JSON, para estruturar dados em documentos; e com o MongoDB, para lidar com estes documentos, estou irremediavelmente amaldiçoado enfeitiçado pela dupla “JSON-MongoDB”. Continue lendo ““Por mares nunca dantes navegados…””

Publicações e Publicações

Recentemente recebi de presente duas publicações muito interessantes: Restinga de Massambaba – Vegetação, Flora, Preservação e Usos e o Guia de Biodiversidade Marinha e Mergulho das Ilhas do Rio. Publicações riquíssimas e repletas de dados e informações relevantes. Publicações como estas representam o esforço coletivo de pesquisadores, alunos, editores, diagramadores, entre outros; no campo, no laboratório e no escritório. Dias, meses, se não, anos de trabalho duro.

O ponto aqui é: A importância, relevância e visibilidade deste árduo e valoroso trabalho está esgotada com estas publicações? Os recursos investidos para chegar neste produto final, materializado sob a forma de um “arquivo PDF”, foram potencializados ao máximo? A minha resposta à estas perguntas é um sonoro NÃO! Continue lendo “Publicações e Publicações”

A Ovelha Negra

Certa vez estavam em um trem, cruzando a Escócia, um astrônomo, um biólogo e um matemático. Em um determinado trecho da viagem o trem passa por um campo onde havia uma ovelha negra. Imediatamente o astrônomo comenta:
 
– Olhem! As ovelhas na Escócia são negras!
 
Em seguida o biólogo retruca:
 
– Na verdade, existe uma ovelha negra na Escócia.
 
E, na sequência, o matemático complementa:
 
– Na Escócia existe um campo. Neste campo existe uma ovelha, e pelo menos um lado desta ovelha é negro
 

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A maldição das tabelas

Há algum tempo venho investindo uma parte do meu tempo para ler e aprender sobre novas formas de modelar e estruturar dados. Nestes tempos que vivemos, novas tecnologias estão disponíveis e parece ser razoável considerar novas abordagens para representar o mundo real.

Acredita-se que as primeiras tabelas surgiram com os sumérios, na antiga Mesopotâmia, há cerca de 2.000 anos, e nossa civilização vem usando esta forma de organizar dados desde então. Desde a mais tenra idade, na escola e, quando adultos, no trabalho, somos condicionados a organizar nossos dados em linhas e colunas. Até aqui, neste editor de texto que vos escrevo (e na maioria dos outros), existe um botão onde posso, rapidamente, criar uma tabela. No maravilhoso mundo dos bancos de dados, as tabelas não só prosperaram como, desde 1970, passaram a se relacionar e, pasmem, deste relacionamento passaram a ter filhos! E, como que por encanto, as “planilhas de cálculo” se tornaram a solução, não para calcular, mas para listar e organizar dados. A presença onipotente das linhas e colunas perverteu até o mais ingênuo e inócuo arquivo digital. O “TXT” virou o “CSV” e passou a frequentar a elite do mundo digital.

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