Ando pensando bastante no registro de conhecimento tradicional, especialmente na segurança e garantias relacionadas a uma informação tão sensível. Quando fui apresentado a este domínio de conhecimento – o conhecimento tradicional – entendi que existem alguns pontos que são considerados importantes:
- Custódia e Governança: Quem seria o guardião de uma “base de dados nacional”? Um modelo centralizado seria bem recebido e apropriado para as diversas comunidades detentoras desses saberes?
- Imutabilidade e Confiança: Como garantir que o vínculo entre um conhecimento tradicional e seus legítimos detentores, uma vez certificado, não possa ser adulterado na base de dados?
- Transparência e Repartição de Benefícios: Como assegurar o acesso público e transparente aos processos de registro, garantindo a justa repartição de benefícios prevista na legislação?
- E muitos outros…
Diante desses e de outros desafios, a tecnologia de Smart Contracts (Contratos Inteligentes) em uma rede Blockchain surge como uma solução promissora

Blockchain e Smart Contracts: Uma Abordagem para a Gestão Digital de Conhecimentos Tradicionais
Sem aprofundar em jargões técnicos, essa tecnologia oferece uma abordagem robusta para a gestão de conhecimentos tradicionais pelas seguintes razões:
- Proteção e Imutabilidade: O conhecimento (seja uma receita, técnica de artesanato ou narrativa) é registrado na blockchain de forma que não pode ser alterado ou excluído. Funciona como um registro permanente e “carimbado” no tempo, associável a imagens, áudios e vídeos, garantindo a integridade da versão original e a autoria de quem a registrou.
- Repartição Justa e Automatizada de Benefícios: Caso o conhecimento seja utilizado por terceiros, um smart contract pode ser programado para executar pagamentos automáticos à comunidade detentora. Isso elimina intermediários, assegurando que os benefícios cheguem diretamente a quem de direito, de forma transparente e eficiente.
- Transparência e Auditoria: Todas as transações e usos do conhecimento registrado são públicos e rastreáveis na rede. Isso gera confiança e permite que qualquer pessoa audite como os saberes estão sendo utilizados e os benefícios distribuídos, prevenindo o uso indevido.
- Soberania e Controle da Comunidade: Por ser um sistema descentralizado, nenhuma grande corporação ou entidade governamental possui controle unilateral sobre os registros. A própria comunidade, mediante regras pré-definidas, detém o poder de governança sobre como seu conhecimento é compartilhado e utilizado.
Considerando que um registro em blockchain é imutável, visualizei um fluxo de validação prévia. Grupos de curadores, formados por representantes das comunidades e especialistas, poderiam analisar e validar as propostas antes que elas sejam permanentemente registradas como um contrato na rede, garantindo a qualidade e a legitimidade das informações. Fiz um rascunho inicial de como vejo que seria uma das opções deste fluxo:

Prova de Conceito (PoC)
Para materializar esta ideia, desenvolvi uma prova de conceito funcional que se divide em três componentes principais:
1. Frontend (A Interface com o Usuário)
- O que é? É a camada visual da aplicação com a qual o usuário interage no navegador – a “vitrine”. Inclui botões, textos, imagens e formulários.
- O que faz? Exibe as informações sobre os conhecimentos tradicionais de forma clara e organizada. É responsável por proporcionar uma experiência de uso intuitiva.
2. Backend (O Cérebro da Operação)
- O que é? É o motor que opera nos bastidores, em um servidor. Embora invisível para o usuário, ele gerencia toda a lógica do sistema, como um “gerente de loja”.
- O que faz? Atua como uma ponte entre a interface (Frontend) e a blockchain. Quando o usuário solicita uma informação, o backend a busca na blockchain e a entrega de forma organizada para ser exibida.
3. Blockchain (O Cofre de Segurança)
- O que é? Um tipo de banco de dados distribuído, altamente seguro e transparente. Funciona como um livro de registros digital inviolável, um “cofre de alta segurança”.
- O que faz? Armazena de forma permanente e segura todos os registros de conhecimento tradicional. Cada registro é um “bloco” que, uma vez adicionado à “corrente” (blockchain), torna-se imutável, garantindo autenticidade, propriedade e rastreabilidade
Aqui está todo o código e a descrição do projeto:
https://github.com/edalcin/tkb/blob/main/README.md
Aqui está uma estrutura inicialmente pensada para um contrato:
https://github.com/edalcin/tkb/blob/main/contract.md
Podem acessar a ferramenta funcional aqui, apenas listando dois contratos na rede blockchain: https://tkb.dalc.in/
(nem sempre on-line e funcionando perfeitamente).
Visão de Futuro: Uma Arquitetura Híbrida
Esta tecnologia não precisa substituir, mas sim complementar bases de dados sobre conhecimento tradicional, existentes ou futuras. Uma arquitetura de “duas camadas” – combinando a flexibilidade de um banco de dados tradicional com a segurança e transparência da blockchain – pode representar uma abordagem ideal.
No momento em que diversas iniciativas sobre o tema estão em andamento, pensar em uma arquitetura robusta e descentralizada como esta é fundamental.
Comentários, críticas e sugestões são essenciais para a evolução desta proposta e serão sempre bem-vindos.
Muito bom Dalcin!
Adicionaria dois comentários:
-pensando na característica dinâmica dos conhecimentos (sejam eles tradicionais ou não), creio que o “carimbo” no tempo é o ponto chave.
-o smart contract poderia ser direcionado ao FRNB (fundo nacional de repartição de beneficios)? Se nao para todos os casos, pelo menos para aqueles que envolvem a lei 13123 (conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira)
Obrigado pelos comentários Natalia!